segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ausência

Meus amigos, peço desculpas pelos meses (sim, foram meses) sem uma única palavra escrita aqui. Mas saibam que a aflição e o desapontamento em não escrever foram muito maiores em mim. Tanta coisa aconteceu nesse tempo... de Setembro até hoje acredito ter passado por tantos altos e baixos que fariam inveja a qualquer montanha-russa de renome. Apesar de me achar um sujeito flexível, com facilidade de adaptação, comunicativo e empático (ou seja, o fodão), de repente me vi enterrado numa crise de choque cultural.

Agora vocês me perguntam, "como assim David, você já morou fora, vivia cercado de gringo no Brasil, trabalhou na AIESEC e agora vem me falar de choquinho cultural? Choquinho cultural é o caraaaalho! Tu não é caveira, pede pra sair filho da p_#& (pow).. pede pra sair (paf)..." Pois é galera, acontece nas melhores famílias e ainda poderei passar outras vezes por isso. Cada lugar é um lugar, cada experiência é única e cada pessoa reage diferente a determinadas situações.

Mas o que é esse tal choque cultural? (Senta que lá vem a sessão AIESECa) Para os não tão chegados no assunto, choque cultural pode ser entendido como a consequência do esforço e da ansiedade resultante do contato com uma nova cultura, além do sentimento de perda, confusão e impotência resultante da perda das informações culturais e regras sociais previamente acostumadas. (Hein? Cuma? ) Em outras palavras, é a resposta de seu corpo e sua mente a uma série de situações que qualquer cidadão pode vivenciar morando fora de seu país. Quer que eu desenhe? Vamos lá:

Estágios do choque cultural

1. Quando você, apesar de dominar um determinado assunto, não tem o domínio suficiente da língua para dar uma resposta à altura e não ficar parecendo uma criança ou um bundão tentando falar... além de levar o dobro do tempo para expressar algo que poderia fazer perfeitamente bem em sua própria língua.

2. Quando você se esforça para entender e acompanhar uma conversa entre o grupo num barzinho barulhento. E quando consegue não tem tanto assunto para falar, já que os temas são, em boa parte, diferentes dos que você está acostumado.

3. Quando você está crente que sabe uma palavra, mas tem que repetí-la mais de quatro vezes, além de se esmerar em explicá-la, até ouvir a outra pessoa falar exatamente aquilo que você estava falando (mas não foi isso que eu falei, porra?).

4. Quando você pensa em fazer uma piadinha, mas desiste ao perceber o tempo que você vai levar até achar as palavras certas... e quando as acha, já passou o tempo e o que você falar não fará mais o menor sentido.

5. Quando você ainda não sabe aonde ir para comprar o que quer, quais ônibus pegar, onde descer, como funciona o sistema médico, como proceder em determinadas situações, etc

6. Quando você se estressa para conseguir que alguém corte seu cabelo minimamente razoável.. e se dá conta de que ninguem aparentemente sabe cortar cabelo cacheado.

7. Quando você percebe que os valores e experiências que moldaram sua vida e dão base à sua percepção de mundo são diferentes das demais pessoas. Dessa forma, o que é engraçado, bonito, prazeroso, interessante (etc) pra você, muitas fezes não faz o menor sentido pros outros.

8. Quando 1,78 metros vira 5 pés e 10 polegadas, 75 kg. vira 165 libras, uma taça de vinho se tranforma em 8 ounces of wine e quando no aquecimento você tem que saltar a cada 20 jardas ao invés de 18 metros.

9. Quando tudo do seu país parece ser tão exótico ou perigoso, ou estranho aos olhos das pessoas. Será que é tão difícil entender que um brasileiro de olho puxado é apenas mais um de tantos brasileiros de olhos puxados e não um japonês, ou chinês, ou coreano? Por que um brasileiro branco não tem cara de brasileiro?

10. Quando o sol parece nascer às 9 horas e se pôr às 15, apesar de você muitas vezes não o ver por conta do tempo frio e fechado. (Acreditem, 4 horas de sol a menos faz TODA a diferença)

Enfim, há uma série de situações e poderíamos ficar o dia todo falando disso. O fato é que o estress causado por essas situações novas e diferentes,  a fatiga cognitiva, consequência de uma sobrecarga de informação, o choque de papéis e o próprio choque pessoal levam a um processo de choque cultural que vai lentamente afetando nossas vidas sem que nos demos conta. De repente já estamos cansados, tristes ou deprimidos e sem o menor controle de nossas vidas.

A adaptação à nova cultura requer um esforço consciente para entender as coisas que normalmente são processadas inconscientemente em nossa própria cultura. As mudanças de papéis sociais e das relações interpessoais também afetam o nosso bem-estar e o sentido de auto-conhecimento. Por fim, a perda de intimidade pessoal e a perda de contatos com pessoas significativas dão o toque final a esse embaralho cultural. Nossa auto-estima, identidade, sentimentos de bem-estar e a satisfação com a vida são todos criados e mantidos dentro do sistema cultural.

Pois bem pessoal, choque cultural não é o fim do mundo, mas requer certo esforço para superá-lo. No meu caso tive o suporte de meu irmão e amigos, além traçar um "plano de combate" para reverter a situação. Boa parte da minha angústia se dava pela minha dificuldade em encontrar tempo para dar conta das demandas do mestrado e da minha vida pessoal por estar me sentindo ainda perdido na minha nova vida. Por conta disso tracei uma agenda diária definindo hora a hora cada coisa que tinha que fazer, com base naquilo que fosse mais prioritário. À medida em que ia tomando conta da situação, ia me sentindo mais confortável para lidar com as outras barreiras. Acredito que o tempo é também um excelente aliado. Muitas vezes só precisamos ter paciência e entender o que nos está acontecendo. Aos poucos vamos nos adaptando e começando a nos sentir parte do mundo novamente.

Bom, desculpa o texto longo. Acho que depois de tantos meses precisava cuspir algumas palavras a mais. Não prometo frequência, mas espero poder escrever sempre aqui. Me faz bem e é uma excelente forma de refletir sobre a vida. Obrigado pelas visitas e pelos comentários.

Forte abraço a todos!!!

Um comentário:

Ana C. disse...

Te entendo perfeitamente...provavelmente so entederei as pessoas aqui quando tiver indo embora...